data-filename="retriever" style="width: 100%;">Historiadores da FGV entrevistaram o general Geisel (1907-1996) ao longo de várias sessões entre 1993 e 1996. O material foi editado em livro publicado pela FGV e, recentemente, foi trazido à tona pelo blog de Roberto Simon, no UOL. Nessa entrevista, o ex-presidente afirmou que os "militares devem ficar fora da política partidária, mas não da política geral". Segundo ele, todo político que começa a se "exacerbar em suas ambições" logo imagina uma revolução a cargo das Forças Armadas.
Geisel destacou que a vinculação dos militares com a política era tradicional, tinha raízes históricas, mas que, em sua opinião, essa interferência diminuiria à medida em que o país se desenvolvesse. Para ilustrar seu ponto, Geisel referiu-se ao que via como uma anomalia completa: um deputado federal que, à época, convocava os militares a voltarem ao poder. "Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar".
O "alemão", como era conhecido Geisel no meio militar, pode ter errado em relação à interferência política dos militares (hoje, eles ocupam cargos estratégicos no governo), mas numa coisa ele estava certo: Bolsonaro é um caso completamente fora do normal. Todo presidente, após eleito, faz um discurso conciliador. Afinal, é preciso governar para todos, inclusive os que não votaram nele. Quanto menos inimigos fizer, mais facilidade terá para aprovar os projetos do governo. "Quem é temido por muitos deve temer muitos", profetizava Públio Siro (escritor da Roma antiga).
Bolsonaro se encaixa mais na linha de O Príncipe, de Maquiavel (pensador italiano da época do Renascimento), que disse que "entre ser amado e temido, é preferível ser temido a amado". Todo santo dia, dá uma parada no "cercadinho" (grades) que dá acesso ao Palácio e, para deleite da plateia de seguidores, faz alguma provocação. Procura desviar o foco dele próprio e de seus ministros que são "fábricas de crises". Encerra a entrevista se a pergunta não é do seu gosto e costuma "dar uma banana" aos jornalistas.
Claro que o comportamento desconcertante de Bolsonaro, muito distante do que seria esperado para o cargo que ocupa, não é fortuito. Faz parte de uma estratégia política que vem sendo executada com sucesso. Parte do princípio de que "a melhor defesa é o ataque". Assim, não tem que explicar nada. No caso do baixo PIB (1,1%) em 2019, ele inclusive se superou: levou um humorista ao "cercadinho", com faixa presidencial e tudo, e transformou um assunto sério numa brincadeira de mau gosto. Os desempregados não acharam graça!
Além do "cercadinho", existe o chamado "gabinete do ódio", comandado pelos filhos do presidente, que se encarrega de espalhar notícias falsas, através de robôs, pelas redes sociais. A denúncia foi feita pela deputada Joice Hasselmann, do PSL, na CPI das Fake News. Ela afirmou que as páginas do presidente e filho Eduardo somam 1,87 milhão de contas falsas. Foi por esse caminho que uma jornalista do Estadão encontrou uma mensagem de Bolsonaro, conclamando seus seguidores a participarem das manifestações de rua contra o Congresso e o STF.
Pensando bem, Geisel tinha razão em mais uma coisa em relação a Bolsonaro. Ele começa a "exacerbar em suas ambições". Não é segredo que sempre defendeu o golpe militar e, ao chamar o povo para sair às ruas para protestar contra as instituições, parece desejar um novo golpe. Teria ele vocação para ditador? Cabe aqui mais uma frase de Maquiavel: "Dê o poder ao homem e descobrirá quem ele realmente é".